RIO - Quem diria que um objeto que custa menos de R$ 2 nas farmácias ganharia um lugar na história da carreira de Claudia Raia. Mas, na opinião da própria atriz, Lívia Marini se tornou “a vilã da seringa”. O título é comprovado nas ruas:
— Outro dia estava jantando num restaurante em São Paulo com o meu namorado (o ator, bailarino e coreógrafo Jarbas Homem de Mello) e um rapaz me abordou com uma seringa na mão pedindo uma foto minha dando uma “seringada” nele, acredita? Ele insistiu tanto que o Jarbas teve de interceder. E também já autografei uma seringa — conta Claudia, aos risos.
A arma usada por Lívia Marini provocou risos em parte do público. Muita gente achou surreal a personagem ter sempre uma seringa cheia de uma substância letal guardada na bolsa. Até Claudia brincou com a situação. Ela tirou uma foto dando uma injeção no filho Enzo, que foi postada no Instagram (rede social de imagens) do menino e, rapidamente, ganhou vida própria.
— A seringa era uma caneta. Um amigo me deu de presente — ela lembra.
“Salve Jorge” nos deixa nesta sexta-feira e leva na bagagem uma audiência que engrenou, de fato, na reta final — o capítulo que exibiu a surra de Morena (Nanda Costa) em Lívia na última segunda teve média de 45 pontos na grande São Paulo, segundo o Ibope. Acumula também sucessivas e divertidas resenhas em blogs de humor, questionando a verossimilhança de várias das cenas criadas por Glória Perez, inclusive as das mortes de Jéssica (Carolina Dieckmann) e Rachel (Ana Beatriz Nogueira), vítimas das tais injeções. Claudia diz ler os sites com frequência.
— Acho os textos maravilhosos. Eles são o “Casseta & Planeta” da internet. O programa sempre parodiou a novela das 20h. Se ainda estivesse no ar, certamente faria piadas com “Salve Jorge” — opina.
Ela não acredita, no entanto, que Lívia tenha sido encarada pelo público com humor:
— Tenho levado cada chapuletada na rua... E as pessoas dizem coisas tão fortes, tão definitivas. Ouço coisas como “tenho ódio de você" pelo menos 20 vezes por dia. As pessoas almejam que Lívia se dê muito mal. Perguntei para Glória se Lívia poderia ficar impune no final, e ela respondeu que, se isso acontecesse, não poderia sair mais à rua porque os telespectadores a matariam.
O final de Lívia Marini já foi cantado: ela fugirá da Turquia antes da invasão da boate e irá para um país do Leste Europeu, onde voltará às origens, trabalhando como stripper em estilo burlesco num bordel até ser capturada pela Interpol e presa. Mas Claudia prefere fazer mistério e diz que ainda não recebeu os capítulos, muito menos gravou as cenas.
— O que sei é que o começo dela foi bem mais baixo do que se imagina. Se ela escondeu a vida inteira é porque não gosta das origens. Voltar à sarjeta será o grande castigo dela — conta.
A atriz destaca que a novela inspirou o projeto de lei “Claudia Raia”, de autoria do deputado estadual de São Paulo Fernando Capez (PSDB), que propõe aplicar punições à pessoa jurídica proprietária de estabelecimentos onde sejam praticadas prostituição e do tráfico de pessoas. E Claudia chama a atenção para a veracidade — e gravidade — da principal trama de “Salve Jorge”:
— Conheci a mãe de uma brasileira morta com uma injeção letal dada pela chefe do tráfico e que foi deixada nas ruas de Berlim, nua, no gelo, como se tivesse morrido de overdose. Isso é uma prática comum da máfia, não é invenção da Glória. Essa mãe ficou 20 anos fugindo de um carro preto e de pessoas que passavam pela porta da casa dela.
Claudia garante, ainda, que não se incomodou com as críticas a sua personagem, que ganhou um carimbo de “engessada” no início na novela.
— As pessoas diziam: “O que aconteceu com Claudia Raia? Está gélida, engessada". Mas Lívia é mesmo uma vilã única, de poucos gestos, de poucas palavras. Simboliza uma organização invisível e, por isso, passava desapercebida. Glória me disse que seria dessa forma, e dessa forma foi feito até o momento da virada. Para mim, foi difícil me conter, fazer o pouco, mas foi um grande aprendizado — diz.
Lívia teve a dura missão de substituir Carminha (Adriana Esteves), de “Avenida Brasil”, como a vilã do horário nobre. Mas Claudia diz que não comprou essa responsabilidade.
— Adriana é tão diferente de mim, e tão maravilhosa. Não entrei em “Salve Jorge” com esse peso — afirma, com sensação de dever cumprido: — Acho que fiz o que estava determinado. Glória quis assim: esta vilã para esta história.
E Claudia deu tudo de si pelo papel. Na gravação da cena da luta com Morena, por exemplo, ela pediu a Nanda Costa que esfregasse a sua cara na sarjeta:
— Disse a ela para enfiar a minha cara na água suja. Era o que todos queriam ver, essa mulher na lama. Ficamos umas duas horas gravando só a cena da briga. Aliás, tenho saído do estúdio me arrastando, tudo é muito pesado. Mas vale a pena.
E quando não sai muito tarde do Projac, Claudia ainda assiste ao capítulo de “Salve Jorge”, gravado, em casa.
— Antes eu não gostava de me ver, mas aprendi a reconhecer o que fiz de bom e o que fiz de ruim. Em TV, você grava 30 cenas por dia, o seu trabalho depende de muitas pessoas até chegar ao público. Você tem de trabalhar com um grau de frustração normal. Se tenho 30 cenas, sei que vou acertar alguma — explica.
E a maratona não termina...
— Depois que vejo a novela, vou decorar texto, andar na esteira... — enumera Claudia, o que nos leva a perguntar a que horas ela dorme. — Eu não durmo, eu só acordo, tenho esse probleminha. Por causa do trabalho, tenho que fazer aula de balé, de sapateado, de canto, além de buscar filhos na escola, gravar. Trabalho 20h por dia.
Aos 46 anos de idade, Claudia tem essa rotina enlouquecida de trabalho desde a adolescência. Filha de dona de escola de balé, praticamente aprendeu a dançar e a andar ao mesmo tempo. E, aos 13 anos, ganhou uma bolsa para estudar balé em Nova York. Tanto insistiu que acabou convencendo a mãe a deixá-la sair de casa ainda tão menina.
— Disse que, se ela não deixasse, eu fugiria. Até que ela disse “vai”. Mas arrumou um jeito de eu ter um suporte lá. Fiquei na casa da família de um bailarino que ela conhecia. Fazia dez horas de balé por dia, trabalhava como garçonete em uma rede de sanduíches e, nos fins de semana, dançava samba numa casa de shows. Foi maravilhoso. Fui uma menina e voltei uma mulher — lembra.
Na volta, um ano e meio depois, ao saber que seriam realizados testes para uma versão brasileira do musical “A chorus line”, que a tinha encantado em Nova York, chegou ao local da audição às 4h30m: queria ser a primeira da fila.
— Fui a número 001. Quando me chamaram, disse ao Walter Clark, que produzia o musical, que eu tinha dois problemas: um, que eu era menor de idade; e outro, que eu queria fazer a Sheila Bryant (dançarina sapeca, mais velha, que conta sobre sua infância triste). Aí ele me olhou com cara de “quem é essa garota?” e disse que não sabia se eu faria a Sheila, mas acabei levando o papel — conta.
A performance foi vista por Jô Soares, que ficou impressionado com o talento da menina que fazia a plateia rir sem esforço e a levou para o programa “Viva o Gordo”. A afinidade foi tanta que eles começaram a namorar e ficaram juntos por quase dois anos.
— Jô me deu o grande fora da minha vida. Éramos apaixonados, mas ele era experiente, 30 anos mais velho do que eu, e achou que eu teria uma carreira ascendente e que, em algum momento, eu ia querer um homem mais novo e musculoso. Aí, eu me casei com Alexandre Frota. Boa piada, né? — revela, rindo de si mesma.
Além de amigo, mestre e parceiro, Jô foi ainda “numerólogo” de Claudia, que começou a carreira com o nome de Maria Claudia Raia:
— Ele disse: “Não, é Claudia Raia que dá certo”.
Não se sabe como a história teria seguido com o Maria no nome, mas, sem ele, já são 30 anos de carreira, com trabalhos marcantes no currículo, como a Tonhão, de “TV Pirata”; Adriana, a bailarina da coxa grossa de “Rainha da sucata”; a espevitada Engraçadinha; a superlativa Jacqueline, de “Ti ti ti”, além de musicais de sucesso, como o recente “Cabaret”. Após “Salve Jorge”, a atriz voltará aos palcos, ao lado do namorado, em um musical de sapateado
— “Crazy for you”, com músicas de George Gershwin e estreia prevista para outubro em São Paulo. Plenitude é, hoje, uma palavra que soa bem familiar para Claudia:
— Eu não quero mais nada, só tenho a agradecer. Quero apenas saúde para poder usufruir de tudo que eu construí, continuar trabalhando, dançando e vendo meus filhos crescerem (além de Enzo, de 16 anos, ela é mãe de Sophia, de 10, ambos do casamento com Edson Celulari). Acho que a vida já me deu muito.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/revista-da-tv/claudia-raia-agora-serei-lembrada-como-vila-da-seringa-8355143#ixzz2T6qGCi00
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