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"O ser humano é capaz de tudo, até de querer coisas nocivas e negativas para si mesmo."

- Claudia Raia

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11 outubro 2012

A grande notável

A atriz, que parou de comer carne, vai de frango no Rodeio: "Cozinho menos do que gostaria. Sou comilona"
Sentada ao meu lado, Claudia Raia é tudo o que se espera de uma estrela, a começar da roupa. O vestido é longo, vermelho-coral e bordado de pedras; um bracelete em formato de serpente cobre boa parte de um dos braços e leva o olhar das pessoas para cima - para o rosto expressivo e o cabelo longo, farto, avermelhado. E não se pode, claro, esquecer dos gestos. Claudia fala com as mãos. E fala alto, dada a profusão de movimentos, largos como se ela estivesse no palco.

Essa imagem não é novidade para a atriz, uma pioneira do teatro musical no Brasil, que aos 15 anos já descia as escadarias do teatro El Nacional, em Buenos Aires, em um show de vedetes. Mas, embora não a incomode, o estereótipo está longe de resumir a trajetória de Maria Claudia Motta Raia, 45 anos, dois filhos, protagonista do espetáculo "Cabaret", em São Paulo, e vilã da próxima novela das nove na Rede Globo, onde ingressou há 28 anos.

"Eu brinco de ser diva, mas não me comporto desse jeito e acho isso bem cafona", diz Claudia, em uma tarde ensolarada, à uma mesa do restaurante Rodeio, em São Paulo. "[Em gravação de novela] me dão sanduíche no magipack [um tipo de filme plástico] enquanto me levam para gravar de Kombi. Se isso é ser diva...", afirma a atriz, divertindo-se com a situação.

Com 1,80 m de altura e pernas que estão entre as mais cobiçadas do show biz, Claudia podia ter ficado restrita ao que ela mesma chama de "papel da gostosona". Não que a atenção despertada pelo seu tipo físico seja um problema - "isso não diminui meu talento", diz -, mas muito cedo a atriz decidiu se arriscar para evitar essa armadilha.

- Em meu primeiro papel na TV [na novela "Roque Santeiro", de 1985], eu fazia o papel de uma prostituta [chamada Ninon]. A câmera só passava no meu bumbum. Não mostrava nem o rosto... Só o bumbum mesmo.

- E como você reagiu?

- Eu marquei um horário com o Paulo Ubiratan [diretor de "Roque Santeiro", morto em 1998] e disse: "Olha, eu queria saber se fazer novela é só mostrar o bumbum, porque, se for, eu vou embora..."

Ubiratan deu uma gargalhada, conta Claudia, e prometeu que seu papel ganharia relevância. Meses depois, com a novela encerrada, a atriz ganhou o prêmio de revelação feminina da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) pelo papel.

O desempenho levou a um novo chamado da Globo, pouco tempo depois. O papel? Novamente o de uma prostituta.

- Quando eu disse para a minha mãe que ia recusar, ela reagiu: "Você está louca?"

Claudia não era contratada da emissora; ganhava por trabalho. Uma recusa poderia significar ser riscada das listas dos diretores de elenco da maior e mais influente rede de TV do país. "Fiquei com medo, mas banquei", recorda-se. Três meses depois, os temores se mostraram infundados. Apareceu um convite para a novela "O Outro". O trabalho foi seguido de outro papel, que rendeu muitas críticas à atriz na época, mas marcou um personagem pelo qual ela é lembrada até hoje: o da Tancinha, de "Sassaricando" (1987). A partir daí, Claudia não parou mais.

"Não estou comendo carne vermelha", comenta Claudia, antes de fazermos o pedido.

- Por quê?

- Enxaqueca... Durante anos tive enxaqueca... Daquelas de ficar tudo preto... Há pouco tempo um médico descobriu que era lactose da carne vermelha. Parei com a carne e não tive mais problema.

- Você gosta de cozinhar?

- Cozinho menos do que gostaria. Sou comilona. Adoro comer...

Pedimos a comida - frango para ela, acompanhado de palmito assado - e voltamos à sua trajetória.

A dança e o teatro musical fazem parte da vida de Claudia desde muito cedo. A mãe, Odete, foi discípula da bailarina russa Maria Olenewa, mas abandonou a carreira aos 22 anos, em decorrência de problemas num joelho. Fora dos palcos, criou uma academia de artes em Campinas (SP), onde Claudia nasceu, e aos poucos abriu várias filiais no interior do Estado.



Claudia, que sempre acompanhou a mãe e a irmã nas aulas, ganhou voo próprio ainda na pré-adolescência. Em uma audição no Ballet Stagium, um dos mais prestigiados grupos brasileiros de dança, ela foi uma das três brasileiras selecionadas para uma bolsa de estudo em Nova York, no American Ballet Theater. A menina tinha só 13 anos quando embarcou para os Estados Unidos.

- Eu fazia o curso e trabalhava como garçonete para ajudar minha mãe a me sustentar no exterior. Nos fins de semana, dançava samba na boate Cachaça, que era de um colombiano...

- E podia?

- Ah, era totalmente ilícito, mas eu parecia ser muito mais velha do que era.... Fazia três shows por noite e ganhava US$ 100 por fim de semana.

De Nova York, Claudia foi parar em Buenos Aires. Em uma passagem pelo Brasil, a avó contou que decidira morar temporariamente na Argentina. A neta resolveu acompanhá-la nas férias. "Era para eu ficar um mês e ela, um ano. Aconteceu o contrário. Minha avó voltou em um mês, e eu fique lá um ano e meio."

Com 15 anos, Claudia passou em um teste para ocupar uma vaga de primeira bailarina no Teatro Colón, orgulho cultural dos portenhos. Paralelamente, começou a trabalhar no espetáculo da então vedete Susana Giménez, hoje uma das apresentadoras mais populares da TV argentina.

Durante uma temporada de férias no Colón e com o show de Susana suspenso, por causa de um incêndio no El Nacional, Claudia voltou para o Brasil. Os grandes musicais da Broadway, que hoje representam uma categoria de peso no teatro brasileiro, então não passavam de exceções no país. Claudia correu para se candidatar a uma dessas raridades - um papel em "A Chorus Line", que narra a vida de artistas tentando ganhar um papel na Broadway. A montagem era dirigida por Walter Clark e cerca de 1,5 mil pessoas disputavam um papel, uma disputa tão dura quanto a do roteiro. Claudia era fã da peça, que já tinha visto sete vezes em Nova York. Mas a personagem para a qual se candidatou era 20 anos mais velha que ela, o que levou a algumas dúvidas dos diretores. Chegou-se a escolher outra atriz, mas depois de alguns contratempos Claudia conseguiu o papel. A TV veio em seguida, com um convite de Jô Soares para o humorístico "Viva o Gordo".

Estava em uma praia, no Rio, quando um homem se apresentou e disse que era da Globo. "Achei uma coisa meio Bozó [o personagem de Chico Anísio que se gabava de trabalhar na emissora] e respondi: "Prazer, Rachel Welch". E voltei para o mar.

Não era uma cantada. O homem era Paulo Cézar Mariozi, um dos redatores do "Viva o Gordo". Depois de alguma conversa, a situação foi esclarecida. O ator Jorge Dória havia visto Claudia nos palcos. Gostou tanto que recomendou a Jô que a procurasse. O emissário quase não concluiu sua missão, mas no fim deu tudo certo e ela passou a integrar o elenco do humorístico. "Aprendi muito com o Jô", diz a atriz.

As novelas vieram na sequência, mas em quase três décadas de trabalho ela nunca abandonou o teatro. Claudia continua a estudar canto, agora para dominar a técnica do "belting", que permite cantar horas seguidas com menos esforço, e ampliar o alcance da voz grave de contralto. "Em 'Cabaret', dou um 'mi' gravíssimo que nem a Liza Minelli tem", relata, rindo. "Adoro falar isso. Sou apaixonada pela Liza, mas alguma coisa ela havia de não ter, né?"

Claudia prova o que diz. Canta, baixinho, uma linha de um dos seus números principais em "Cabaret": "Você tem que entender que eu sou assim, Mein Herr". E emite a nota de que tanto se orgulha.

Mas os desafios do teatro musical não são apenas para treinar a voz ou aprender as coreografias calculadas da Broadway. No teatro, além de atriz, Claudia é empresária. Em um de seus primeiros musicais, "Não Fuja da Raia" (1991), ela precisou vender o carro para completar o orçamento. "Quinze dias antes da estreia, perdi o patrocínio", conta. Para piorar, a maior parte dos críticos massacrou o espetáculo. "Achei que estava tudo perdido", diz. A surpresa é que, na melhor tradição "o show deve continuar", o público desprezou as críticas negativas e correu para a bilheteria. "As filas na porta davam voltas. Consegui pagar todas as minhas dívidas."

Embora a fama ajude, produzir teatro continua a ser uma tarefa difícil, de acordo com Claudia. Ainda mais no caso dos musicais, que requerem orçamentos pesados e estruturas complexas, com orquestra, maestro, cantores-dançarinos e espaços adequados para compor tudo isso. Para montar "Pernas pro Ar" (2009), a atriz conta ter batido à porta de 150 empresas. Foi pessoalmente a cada uma.

É por causa desse tipo de dificuldade que Claudia estranhou quando, mais recentemente, foi chamada para conversar com Ivo Lodo, presidente do banco BVA. Durante a reunião, o banqueiro disse ser um admirador do seu trabalho e mostrou-se animado com a possibilidade de investir em um patrocínio na área cultural. Resultado: o BVA tornou-se o principal patrocinador de "Cabaret", que há anos Claudia sonhava em levar ao palco no Brasil.


- Os musicais atraem um grande público no país, mas ainda não conseguem viver só de bilheteria. Por quê?

- Vamos chegar lá, mas [produzir] musical custa muito caro.

Entre os problemas, a atriz cita a meia-entrada e a rigidez na legislação que concede benefícios fiscais a projetos na área de cultura. As queixas contra a meia-entrada são unanimidade entre os produtores de espetáculos. Vários deles reclamam que em São Paulo e no Rio muitas peças saem de cartaz com casa cheia porque o patrocínio termina e a bilheteria, sozinha, não compensa os custos exigidos para manter a produção. Uma sugestão, afirma Claudia, seria restringir a meia-entrada a um percentual de assentos por espetáculo. Isso permitiria que estudantes e outros beneficiados continuassem a ter acesso às produções, sem inviabilizar a bilheteria. Com esse tempo adicional, o público que paga meia-entrada não seria prejudicado, mesmo com a restrição ao número de assentos.

No caso da legislação de apoio à cultura, como a Lei Rouanet, a questão, afirma Claudia, é que as regras são idênticas para qualquer tipo de produção, independentemente do volume de recursos necessário, o que exige um esforço adicional para quem monta espetáculos de grande porte. "Não dá para comparar [os recursos necessários para exibir] uma peça alternativa, com 4 atores, com um musical que reúne 80 artistas, como 'Cabaret'."

Paralelamente à peça, Claudia está gravando "Salve Jorge", de Glória Perez. A novela vai suceder a "Avenida Brasil" no horário das nove, na Globo, e conta com locações internacionais - desta vez na Turquia -, uma marca registrada da autora. Claudia será Lívia, uma bilionária cuja elegância e discrição escondem sua real atividade, a de chefe de uma rede internacional de tráfico de mulheres. "Nos workshops da novela, chorava o tempo inteiro com os depoimentos de mulheres que foram traficadas, mas conseguiram escapar."

A próxima investida nos palcos ainda está em estudo, mas não deverá ser outro musical.

- O Jarbas diz que eu tenho de fazer teatro clássico... Interpretar grandes papéis como Antígona e Medeia...

Jarbas é Jarbas Homem de Mello, que divide o palco com Claudia Raia em "Cabaret", no papel de Mestre de Cerimônias - e com quem a atriz namora há alguns meses. Ator e diretor, ele não é muito conhecido do grande público, mas para os frequentadores de teatro, em especial os que apreciam musicais, é um velho conhecido.

Quando a novela terminar, está nos planos de Claudia ser dirigida por Jarbas na montagem de um texto consagrado, como um teste para os papéis clássicos. "Estamos pensando em autores de peso, como Tennessee Williams e Plínio Marcos"

Claudia fala com naturalidade de seu namoro com Jarbas. Não há assunto proibido durante a conversa. Ela se separou do ator Edson Celulari em 2010, encerrando uma união de 17 anos. Eles tiveram dois filhos - Enzo, hoje com 15 anos, e Sofia, de 9. O mais velho acabou fisgado pela música. Enzo toca cinco instrumentos e compõe. Sofia é o que Claudia chama de versão 4G dela mesma, uma brincadeira com a mania das gerações mais novas de passarem o tempo todo conectadas à internet, de olho no celular.

- Você é bastante ocupada. Não acontece aquela coisa, hoje bem comum, de deixar os filhos fazerem o que quiserem para compensar o longo tempo no trabalho?

- Ah, não tem nenhuma chance de isso acontecer...

Claudia elogia o ex-marido. Diz que ele é presente na vida dos filhos e acompanha tudo de perto. Quando um dá uma ordem, o outro não a contradiz para evitar confusão na cabeça das crianças. E tem a babá, que convive com os filhos desde que eles eram pequenos. Ela atua como uma espécie de secretária, zelando para que tudo saia conforme o combinado.

Faço a inevitável pergunta sobre como ela lida com a fama, e se o público às vezes não a incomoda.

- Eu gosto de gente. E não é para ser fofa... Eu gosto mesmo. Atendo todo mundo. Outro dia o Jarbas me trancou no carro para eu não entrar com ele em uma farmácia. Ele diz que eu pareço galho em enchente. Vou parando em tudo que é lugar...


- Você está sempre de bom humor?

- Tenho o chip da felicidade, mesmo quando estou triste, costumo ser positiva. O humor rege a minha vida.

- E do que você não gosta?

- Incompetência me irrita horrores... Fico passada... E atraso, mentira...

Ela pede licença e se ausenta por uns instantes. Na volta, retoma o tema da celebridade. Conta que na saída do banheiro uma moça a interpelou. Disse que ela era mais bonita pessoalmente e pediu para tocá-la no rosto.

- E você deixou?

- Deixei... Ela disse que tenho a pele boa...

A conversa continua. Falamos da relação entre artista e público. "Para mim, o palco é o lugar mais confortável do mundo." Sobre TV. "Só é uma arte menor se você faz dela uma arte menor." O bate-papo chega até à roupa que usa para dormir. "É um pijaminha cinza-claro da Calvin Klein. Pensou que era uma camisola com penas de marabu, né?", pergunta, divertindo-se sobre a fama de diva. Só então percebe que está atrasada para a aula de canto. Dá um abraço, beijos e sai apressada.

Claudia Raia já representou ícones dos musicais, como Sheila Bryant em "A Chorus Line", Charity Hope Valentine em "Sweet Charity", Sally Bowles em "Cabaret" e a personagem-título de "O Beijo da Mulher-Aranha". Ela ainda é muito jovem para Norma Desmond, de "Sunset Boulevard", mas fica a sugestão para o futuro.

Em dado momento da peça, Norma, uma diva do cinema mudo que está esquecida, canta que com um só olhar ela podia ser tanto a moça comum - "the girl next door" -, como a mulher inalcançável - "the love that you hungered for". É uma das músicas mais conhecidas do show.

Claudia tem algo a ver com isso. Ao fim da conversa, a sensação é de familiaridade, como se você tivesse passado algumas horas com uma amiga que mora na vizinhança. Mas basta ver a atenção que ela desperta ao sair para lembrar que, a despeito da relação tranquila com a fama, Claudia tem o indecifrável apelo das estrelas.


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