— É de matar. Uma loucura mesmo. Olho para tudo isso (o cenário) e penso: ‘nunca acaba...’. Meus amigos dizem que deveriam me internar. Só uma insana como eu para empreender um espetáculo desses. E olha que muita gente fugiu da raia, literalmente. Tem que ter peito! — , dispara a atriz, que vai levar o espetáculo a pelo menos 30 cidades brasileiras: — Tudo isso nasceu quando sonhei que estava numa caixa e andava pelo país.
— Queria falar desse universo feminino. Uma mulher comum ora é feliz ora não. Tem uma mesmice, uma não ousadia por medo de errar ou de perder aquilo que já se conquistou. A mulher é meio multifuncional, né? Quantas de nós não têm que ser boas donas de casa, lindas, magras, boas mãe, superprofissionais? É um universo em que o homem jamais entrará. E de repente, quando se para para pensar, os sonhos, os desejos ficaram para trás. Percebo muitas mulheres na plateia cutucando o marido em certas cenas, nas reflexões que fazem. E eles ficam com aquela cara, sabe, de ‘finjo que não entendo’. Além de ser um espetáculo de entretenimento, tem uma parte que mexe, que cutuca.
Nessa espécie de versão adulta e pós-moderna de “Alice no País das Maravilhas”, Claudia é acompanhada por quase 50 pessoas. Na linha de frente, tem no produtor e cunhado (ele é casado com a irmã, Olenka Raia) Fernando Pagan um anjo da guarda, que, vá lá, faz também às vezes de Grilo Falante.
— Claudia é exagerada, né? Não é só no tamanho (risos). Então, ela sonha e eu executo. Mas, claro, que tem a hora de trazê-la de volta ao chão — conta Fernando, que impressiona pela calma com que transita pelos bastidores ainda caóticos de um dia de estreia — Já nem me lembro mais o que é dormir.
Nem Claudia. Enquanto se maquia (ela própria coloca a mão na massa) num camarim exclusivo montado na parte de trás da tal enorme caixa/palco de Helô, decorado com fotos do marido Edson Celulari e dos filhos Enzo e Sofia nas paredes, ela discorre empolgada sobre a nova empreitada.
— Edson está fazendo “Hair Spray” e quando chega em casa diz: ‘agora entendo tudo’. Esse “tudo” são as horas em que tenho que passar longe da família, das exaustivas reuniões e ensaios, de todos os sacrifícios. Edson foi o primeiro a saber dessa produção. E me deu toda a força do mundo — explica a atriz.
Magérima e com músculos que saltam à vista numa malha de cor laranja, Claudia é um desacato para qualquer mulher que, como ela, já passou dos 40. Em nada lembra as formas arredondadas que adquiriu no corpo de Donatela, o último papel na TV. Algo que acabou a aproximando bastante das mulheres comuns.
— Sabia que eu estava engordando. Trabalhando 18 horas por dia, ansiosa, comendo, sem tempo para fazer uma esteira sequer. E foi bacana para mim, sabe? Sempre fui vista como o mulherão, coxão, bundão. Foi uma forma de testar um outro jeito de estar. Meu trabalho rendeu mesmo eu estando acima do peso, mesmo eu não estando tão bonita. Tem uma atriz aqui e mora gente dentro desse corpo. Tenho 43 anos. Daqui a pouco não vou estar assim. A gente vai envelhecendo. Não tem jeito, existe a lei da gravidade.
A tal lei, aparentemente, não parece ter efeito sobre Claudia. Ao menos no palco. Ela se confunde — ou se funde — com o elenco formado, em sua maioria, por gente com quase 20 anos a menos. De um lado para o outro, seja dançando, fazendo alongamento, aquecendo a voz, dando algumas ordens, a “Whitney Houston do teatro”, como se refere a ela o amigo Miguel Falabella, parece incansável. Até mesmo quando defende o gênero musical, ainda visto por muitos como uma arte menor:
— Costumo dizer que é uma arte dos três cérebros: um para atuar, outro para dançar e ainda outro para cantar. Hoje, as maiores bilheterias do teatro no país vêm de musicais. É inegável. Uma parte dos intelectuais torce o nariz para o gênero. Faço parte de uma trupe que trouxe parte dessa cultura dos musicais para o país. Tenho o maior orgulho disso. Porque é muito fácil se frustrar fazendo um espetáculo desse tipo. São inúmeras adversidades. Mas ninguém derruba meu castelinho, não.
Com as malas prontas para rodar o Brasil, Claudia só volta à televisão no segundo semestre, na novela “Ti ti ti”, nome provisório do remake escrito por Maria Adelaide Amaral. Até lá, caminha a passos largos com sua caixa de sonhos e os 12 figurinos, seis pares de sapatos e alguns adereços de Helô, em direção a um público que jamais assistiu a um musical:
— Já pensou o que é poder fazer isso? Andar por esse Brasilzão? — questiona entre incrédula e estupefata: — Minhas pernas sempre foram inquietas. Sempre tive uma perna lá e outra cá. Segundo minha mãe (Odete) parece que estou sempre com o pé na porta para ir a algum lugar. E estou mesmo. Queria ir atrás dos meus sonhos. E nisso ninguém me segura. Não porque eu seja forte ou incrível. É porque quero sempre mais. O único que me para é Deus, que quando vê minhas pernas tomarem vida própria, me desequilibrando, dá um jeito de me fazer parar. Aí já sei. É hora de manter as pernas no lugar.
E haja pernas! Para dançar durante oito horas por dia, bem como para subir no salto e ir atrás de patrocínio.
— Todo mundo pensa que por ser Claudia Raia é mais fácil arrumar patrocinador. Mas não é. Tive que botar dinheiro do meu bolso também. Seria um espetáculo caro em qualquer parte do mundo — diz.
Fonte: Canal Extra
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